segunda-feira, 6 de março de 2017

Três artigos sobre Campanha da Fraternidade: Biomas e Defesa da Vida.


O bioma nosso de cada dia

Campanha da Fraternidade é oportunidade para nos comprometermos pessoal e comunitariamente com gestos concretos que contribuam para reorientar nossa sociedade.
Tema da CF 2017 trata da defesa da vida e os biomas brasileiros.
Tema da CF 2017 trata da defesa da vida e os biomas brasileiros. (Divulgação)
Por Frederico Santana Rick*
O tema da Campanha da Fraternidade em 2017 é “Biomas brasileiros e defesa da vida”, e o lema “Cultivar e guardar a criação”. Reforçando a presença de um assunto que vem tendo bastante espaço na agenda da Igreja Católica e ganhou mais peso com Papa Francisco, a começar pela escolha de seu nome que faz referência ao santo amante das criaturas, uma das personalidades mais queridas dentro e fora da Igreja Católica. Apesar do Papa Francisco simbolizar um ponto culminante do tema, a preocupação não é nova para a CF. Ainda em 1979 a CF teve como tema “Por um mundo mais humano” e o lema: “Preserve o que é de todos”, tendo nas décadas seguintes dedicado a temas como terra, água, povos indígenas, negros, Amazônia, aquecimento global, saneamento básico dentre outros.
Iniciada em 1963, a iniciativa dos bispos do Brasil através da CNBB se insere no espírito de compromisso social e renovação do Concílio Vaticano II em curso naquele momento. Desde então, é oportunidade frutífera de diálogo não só entre a comunidade cristã, mas com toda sociedade sobre temas de grande relevância. Para os católicos a iniciativa anual acontece principalmente em um dos momentos mais fortes da vida cristã que é a Quaresma, um período de conversão e fortalecimento do compromisso com Jesus Cristo, com o Reino de Justiça, com a conversão pessoal, comunitária e da sociedade. É auspicioso que a Igreja Católica preencha esse momento de tanta intensidade e simbologia com uma iniciativa de viés transformador, o que nos deve servir de estímulo na realização de iniciativas que animem a Campanha da Fraternidade.
O texto-base da CF 2017 apresenta uma leitura eclesial, social, política e econômica dos Biomas brasileiros, destacando caminhos para construção de uma cultura de fraternidade e justiça, denunciando violações de direitos, a exclusão e o desrespeito a vida por parte do capital. A CNBB não se furtou de abordar temas que envolvem grande enfrentamento, principalmente sobre o modelo de desenvolvimento, principal ameaça aos biomas.
A CF 2017 destaca as particularidades geográficas e históricas de cada um dos seis biomas: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa, dando especial acento a presença e a defesa dos povos originais de cada um desses territórios como ribeirinhos, quilombolas, indígenas e camponeses, etc. O que é sempre muito instigante das campanhas da fraternidade é a oportunidade para os cristãos de tomarem conhecimento sobre realidades que dizem respeito diretamente a suas vidas e são desconhecidas pela ampla maioria das pessoas. É o caso dos biomas brasileiros que conhecemos de maneira superficial e estigmatizada.
Ao estudarmos o bioma Amazônia, por exemplo, ficamos sabendo que ele é o maior do Brasil abrangendo 61% do território nacional, 5.217.423 km2 distribuídos em nove estados. Suas fronteiras atingem ainda Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, Suriname, Guianas Francesa e Inglesa. Com equilíbrio frágil e bastante sensível à ação humana, a Amazônia está severamente ameaçada pelo desmatamento, pela pecuária, pela monocultura do pasto, da soja, do milho, do sorgo e do pinus. A fronteira agrícola se expande ano a ano a medida que exauri os solos. A maior bacia hidrográfica do mundo com 6 milhões de km2 e 1.100 afluentes, com 175 milhões de litros d´água lançados ao mar por segundo, está com sua existência ameaçada por corporações do Brasil e do mundo.
Indústrias dos mais diversos ramos têm interesse na Amazônica: fármacos, água, essências, minérios, madeireiras, serrarias, agronegócio, dentre outras. A Amazônia possui ainda um rio tão volumoso quanto o de superfície debaixo do solo, o aquífero Alter do Chão, que é bastante cobiçado pelos interesses econômicos. Da mesma forma um rio aéreo gigantesco produzido pela evapotranspiração abastece de água o Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil. A Amazônia estará no centro de questões ambientais de impacto mundial que afetarão a humanidade nas próximas décadas.
Esta interdependência ilustrada pelo papel da Amazônia no ciclo das águas de todo o país e sua importância para o mundo é bem ilustrativa das inquietações que a CF nos apresenta. As ameaças ao maior bioma brasileiro são bastante significativas do que ocorre com os demais biomas, todos eles afetados severamente pelo modelo de desenvolvimento. Assistimos a expansão pecuária e das monoculturas do agronegócio no Cerrado, na Caatinga, na Mata Atlântica e nos demais biomas. Temos a ocorrência em quase todos eles de ameaças às nascentes e ao curso dos rios pela atividade mineradora, pelo cultivo em grande escala de eucalipto, pinus e outras plantas desertificantes. Os lençóis freáticos e as águas em geral estão gravemente contaminadas pelos agrotóxicos, que em algumas regiões inteiras e em diversos municípios, chegam a elevar em muito os índices de câncer, abortos, suicídios, enfisemas pulmonares, deformações entre outras doenças associadas ao uso de agrotóxicos por pulverização aérea e na água. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo o que afeta diretamente a saúde de todos os brasileiros.
Os compromissos governamentais e da iniciativa privada com iniciativas de preservação ambiental soam paliativos muito pouco eficazes diante da orientação geral econômica que promove seu inverso. Por outro lado, no enfrentamento a esse modelo que desconsidera o aprendizado do povo brasileiro dessas regiões, adaptado a esses contextos e produtor de tecnologias locais de convívio com esses biomas, surgiram muitas experiências ricas de sentido emancipatório.
Há hoje uma enormidade de movimentos populares, associações, pastorais e iniciativas envolvidas na construção de outro modo de se relacionar com essas distintas realidades brasileiras, que são efetivamente empecilhos à destruição do que resta destes biomas. Essas experiências populares, pastorais e cidadãs são hoje alicerce para a ecologia integral proposta por Papa Francisco em sua encíclica Laudato Sí. O pontífice tem sido muito preciso e contundente sobre essas questões, como quando inquirido em audiência geral em 5 de junho de 2013, deu como resposta à origem dos problemas ambientais: “O que domina são as dinâmicas de uma economia e de uma finança carente de ética. O que manda hoje não é o homem, é o dinheiro, o dinheiro manda. E Deus, nosso Pai, deu a tarefa de guardar a terra não para o dinheiro, mas para nós: aos homens e às mulheres, nós temos essa tarefa”.
A questão ambiental nesta perspectiva da ecologia integral do Papa Francisco se apresenta para nós como a ponta de um iceberg bem maior e monstruoso que é o próprio sistema capitalista e neoliberal. Defender a natureza, os biomas, e garantir os direitos dos povos sobre as riquezas e o território envolve uma reorientação gigantesca de projeto de sociedade, que por sua vez passa por redirecionamento das ações do Estado. Como fazer isso? O projeto popular defendido pela CNBB em âmbito nacional, e construído por agentes pastorais e de movimentos populares vive momento de resistência, frente à ofensiva do programa neoliberal, que terá como consequência agravar a situação ambiental. Legislações já estão sendo alteradas com o objetivo de facilitar a expansão do agronegócio e os interesses das mineradoras e madeireiras sobre os territórios. Tem sido marca do governo não eleito de Michel Temer a entrega de nossas riquezas, como é o caso do pré-sal e das propostas de alteração da Lei de Terras, permitindo a apropriação das terras brasileiras por estrangeiros.
Aprendizados para superação do projeto de morte e defesa de um projeto de vida, popular, vem da experiência e testemunho de tantos profetas do povo brasileiro como Irmã Dorothy, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno e Alvimar da CPT MG, para ficar apenas com uns poucos de milhares, filhos das lutas pelos biomas brasileiros e seus povos. É irmanado nesses milhares de lutadores e lutadoras do povo que cada qual deve assumir sua parte na defesa dos Biomas e da vida. Que saibamos aproveitar dessa oportunidade que é a Campanha da Fraternidade para nos comprometer pessoal e comunitariamente com gestos concretos que contribuam para reorientar nossa sociedade na perspectiva de um projeto popular ancorado no desenvolvimento, na sustentabilidade, na democracia, na soberania, no feminismo e na solidariedade.
*Frederico Santana Rick é sociólogo e coordenador de políticas sociais do Vicariato Social e Político da Arquidiocese de Belo Horizonte.

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Encheu-se a terra com vossas criaturas e que sabedoria em todas elas!

Na opinião de Lynn White, Bíblia é responsável pela poluição em nossa época porque os textos da criação ordenam ao ser humano que submeta e domine a natureza.
A ecologia é recente, mas a preocupação com a natureza está presente na Bíblia.
A ecologia é recente, mas a preocupação com a natureza está presente na Bíblia. (Divulgação)
Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*
Quão numerosas, oh Senhor, são vossas obras
e que sabedoria em todas elas!
Encheu-se a terra com as vossas criaturas.
Bendize, oh minha alma, ao Senhor!

(Salmo 103,24, na Vulgata)
O primeiro livro da Bíblia, intitulado Gênesis, nas traduções ocidentais, refere-se às origens dos seres como se fosse uma história de família. Isto é compreensível, pois era comum aos povos antigos se expressarem através de narrativas e não de raciocínios abstratos. É consenso geral entre os estudiosos modernos que os mitos da mesopotâmica serviram de modelo para os primeiros capítulos do Gênesis, mas os autores bíblicos fizeram mudanças significativas por causa da fé monoteísta e de sua forma de compreender o mundo e o ser humano.
Os relatos bíblicos são uma expressão de fé levando em conta o comportamento do ser humano (seus relacionamentos: com Deus, com seus pares e com os demais seres); suas escolhas e seus erros e acertos. E levando em conta também o comportamento de Deus em relação ao ser humano, ou seja, sua permanente fidelidade.
O leitor moderno, desacostumado a encarar o mito como uma reflexão profunda, tem dificuldade de compreender esses relatos e frequentemente se atrapalha, seja fazendo uma leitura fundamentalista, seja desprezando-os como desprovidos de sentido.
Contudo, nos dois primeiros capítulos do Gênesis, a criação é uma comunidade estruturada na qual os seres vivem em mútua dependência, realizando a vontade do Criador: ser fecundos, multiplicar-se e habitar o mundo.
O termo “ecologia” foi cunhado no final do século XIX por Ernst Haeckel (MARGALEF, 1992) e significa ciência do habitat, ou seja, é o estudo das interações entre os organismos entre si e com o ambiente. Trata-se de uma ciência recente posterior à mudança de paradigmas, posterior ao conhecimento sobre a evolução das espécies. Essa ciência não surgiu antes, porque de Aristóteles a Darwin, o mundo natural era considerado estático. Se há evolução das espécies, há dinamicidade, tudo interage e a atividade humana pode desencadear uma crise nos ecossistemas e nas suas inter-relações. A consciência do perigo que o ser humano pode causar ao planeta surgiu com o alto índice de poluição na sociedade pós-industrial. Nada disso estava presente numa sociedade antiga agropastoril, dentro de um horizonte estático, que considerava o surgimento dos seres já completos e acabados.
Pois bem, a ecologia pode ser recente, mas a preocupação com a natureza, e a relação do ser humano com ela, está presente na Bíblia. Mas qual a causa dessa preocupação se a Bíblia foi escrita numa sociedade agropastoril? Qual o propósito dos autores bíblicos ao escreverem os textos da criação?
Na opinião de Lynn White (1967), Bíblia é a grande responsável pela poluição em nossa época porque os textos da criação, no livro do Gênesis, ordenam ao ser humano que submeta e domine (Gn 1,28) a natureza. Isto teve como resultado a civilização judaico-cristã predatória, que provocou a crise ecológica atual. Com essa afirmação, White isenta o capitalismo e o progresso sem sustentabilidade colocando a responsabilidade para a Bíblia e para os cristãos.
Resta então nos perguntar se essa hermenêutica dos textos bíblicos está correta. É certo que os autores bíblicos não tinham a ciência moderna para ver as interconexões na biosfera da Terra. Mas as antigas civilizações, e nisto concorda a Bíblia, tinham uma profunda noção da interação entre os seres. Os autores bíblicos chamam a natureza de criação, mostram que há um parentesco entre os seres, usam o termo hebraico tôledôt (Gn 2,4), que significa genealogia e confirmam a noção de uma “comunidade da criação”, mostrando inter-relações importantes e significativas entre o ser humano e as criaturas, a ponto de a redenção do ser humano ser expandida para a criação inteira (Is 43,19). A conexão entre os seres é tão profunda que uma reconciliação do ser humano com Deus envolve toda a criação (Rm 8,19-23).
Portanto, uma leitura integral da Bíblia nos mostra uma noção de criação que não confirma a acusação de White. O que então o autor bíblico tentou transmitir com os verbos submeter e dominar em Gn 1,28? Lendo esse versículo dentro de seu contexto literário, Gn 1,26-28, temos uma afirmação inicial de que o ser humano é a imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), ou seja, a humanidade se torna representante de Deus perante os demais seres, isso significa que tem que agir como Deus agiria. O ser humano é um colaborador, por meio do trabalho torna útil o que Deus criou.
O primeiro verbo, submeter, em hebraico kabash, está no sentido de domar algo selvagem para torna-lo útil. Não significa sugar e extenuar a natureza, mas adequar os seres a uma utilidade que ajude na preservação da vida de todos, não apenas do ser humano. O segundo verbo, dominar, em hebraico radah, tem conotação de governar, de prevalecer. Mas não é tratada como inimiga do ser humano. O Homem não deve ir a ela como a um exército inimigo. Então por que esse verbo é usado? Porque o autor está em oposição à idolatria dos vizinhos que consideram os seres da natureza como deuses e exploram as pessoas em nome dessas divindades. Dominar os seres está em oposição a tratá-los como sendo deuses, é uma inversão a deixar-se dominar por eles.
Prova que a Bíblia respeita todos os seres é o sistema sabático, com o descanso semanal, no sétimo ano e no jubileu. No sistema sabático o homem descansa para que os seres descansem, faz parte de seu compromisso com a proteção da criação. Não se podia extenuar o húmus da terra, a vitalidade dos animais e do ser humano. Este era o único meio de garantir o futuro da vida na terra. A terra não suporta a sobre-exploração por homens, ela se torna doente. A terra sofre os efeitos da desobediência do homem à lei de Deus, por isso a reconciliação da humanidade com Deus traz consequências para a criação inteira que ficará livre de exploração (cf. Rm 8,19-23).
Não há como utilizar os relatos da criação para justificar a depredação. Nos evangelhos, as parábolas de Jesus revelam uma forte integração dele com a natureza porque a preocupação com o cuidado da natureza não é recente. O forte vínculo entre os seres é uma consciência de todas as culturas antigas e isto foi incorporado em suas leis, cultos, mitos e poesias.
A primeira cultura a esquecer do vínculo com a natureza foi a cultura industrial, o antropocentrismo moderno deu continuidade à assimetria pagã, politeísta em sentido inverso, pois fez do homem um deus cruel para os demais seres.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAILOVSKY, Antonio Elio. La ecología en la Biblia. Buenos Aires: Milá, 2005.
BAUCKHAM, Richard. La Bibbia e l'ecologia: Riscoprire la comunità della creazione. Roma: Borla, 2011.
MARGALEF, Ramón. Planeta Azul, Planeta Verde. Barcelona: Prensa Científica, 1992.
PLUNKETT,  Patrice de. L'écologie, de la Bible à nos jours: pour en finir avec les idées reçues. Paris: Éditions L'œuvre, 2008.
WHITE, Lynn. The Historical Roots of Our Ecological Crisis,
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Um olhar 'estrangeiro'

É imprescindível desenvolver um caminho educativo que acorde a consciência dos povos amazônicos para a urgência de preservar a terra que é sua por direito.
A fé precisa se comprometer com a vida.
A fé precisa se comprometer com a vida. (Divulgação)
Por Sandra Regina de Sousa*
“Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente” (Rm 8,22).  Sem sombra de dúvidas, o Planeta Terra com sua natureza extraordinária, tem sido alvo de um capitalismo desumano, que o suga gota a gota, todos os dias, deslealmente, visando somente o lucro exacerbado, produzindo uma cultura do desperdício em diversos níveis da existência. Alimentos, água, papel e outras tantas coisas sendo jogadas fora todos os dias, causando uma violência absurda contra a natureza e evidenciando que a consciência humana anda adormecida pelo consumismo ilusório e desenfreado. De um lado, o rico e, de outro, o pobre retratam duas realidades opostas a dividir seres humanos. O rico, imerso na riqueza, retrata em sua conduta uma ânsia desmedida de esbanjar, consumir, gastar sem limites. Não importa o preço a pagar. Banqueteia-se diariamente, destituído de preocupação ética e consciência crítica. O pobre, o burro de carga desse rico, anseia por políticas públicas, oportunidades, portas abertas, justiça social. Ele representa todos os que são jogados no sistema opressor do mundo, fora do convívio, excluídos da participação justa nas esferas comuns. Esses retratam a desigualdade que se instala assustadoramente no mundo.
A Amazônia não escapa dessa cruel realidade. Pelo contrário, todos os dias bebe do veneno mortal da exploração sem limites, que só quer expropriar tudo que encontra pela frente, e que pode se transformar em dinheiro. Corre perigos dos mais diversos nas mãos dos que destroem sua biodiversidade composta de ricas florestas, rios majestosos, espécies tão raras, povos originários, sem um mínimo de interesse em preservar, conservar ou manejar. Desequilíbrio e desigualdade são, hoje, o que caracteriza o modo de vida de tantos seres que ali nascem e crescem todos os dias, nos mais distantes lugares. 
Como missionária nessas terras amazônicas, aprendi a olhar essa realidade desde fora, com atenção, cuidado e muito respeito, pois ela é composta, primeiramente, de pessoas, que em seu contexto social, cultural, econômico, religioso, sofrem cotidianamente as duras penas imposta pelo capitalismo. A invasão dessas terras se deu maneira tão desumana, que muitas vezes impregna a cultura de um povo dos mesmos sentimentos daqueles que vêm de fora explorar cruelmente essa natureza sagrada. É claro que há muitas exceções, dependendo da região e das pessoas que nela habitam. A extensão territorial da Amazônia é imensa e seus povos tão diversos quanto suas plantas e bichos. 
Vi de perto a dolorosa destruição, mas também a luta pela preservação da terra. Nas suas diferentes regiões, o povo tem um olhar distinto para a natureza. Muitas comunidades do Estado do Amazonas plantam, cuidam e preservam a terra. Lutam por ela. Morrem se for preciso. São povos guerreiros que sabem que a Terra não é propriedade de uns poucos, mas é Mãe de todos. Outras tantas comunidades, formadas por pessoas que se deslocaram do sul e sudeste com o intuito de ganhar dinheiro, muitas vezes, de maneira ilegal, desmatam sem a menor preocupação com o manejo consciente que protege as espécies e preserva. Foram tomadas pelo ideal do capitalismo, destroem em nome de um progresso que nunca chega, de uma melhor qualidade de vida insuficiente. Outras, ainda, em sua simplicidade e pobreza, caem aos pés dos poderosos por falta de opções de trabalho. São exploradas e jogadas dentro de esquemas muito bem montados do agronegócio, do garimpo, das madeireiras, das hidrelétricas, da mineração, da monocultura, da agropecuária. É uma luta desigual em que sempre vence o mais forte, o que tem o dinheiro e o poder. Ao povo faltam políticas públicas, atenção dos seus governantes, que por uma total falta de responsabilidade e compromisso com esses pobres povos na Amazônia, negligencia saúde, educação, saneamento básico, deixando-os à margem da sociedade, esquecidos e humilhados. Negam a possibilidade de investimentos que sejam direcionados ao aproveitamento de suas riquezas naturais, visando a sustentabilidade desse povo, para mantê-los cativos em seus grandiosos empreendimentos.
Assim, muitos povos ribeirinhos, indígenas que perderam sua cultura, língua, costumes, ou moradores das margens das estradas, mergulham no esquema torto do extermínio, para que seus filhos não morram de fome e não tenham que ir para a capital viver precariamente. Em muitas dessas comunidades há uma crescente falta de cuidado com o lixo, com os rios, com os bichos, que diariamente são traficados para as mais diversas regiões. Peixes como o Pirarucu, que são pegos ainda filhotes e vendidos inescrupulosamente, rendem muito dinheiro aos atravessadores e quase nada aos pescadores. A falta de consciência e a ilegalidade têm tomado espaço cada vez mais na Amazônia.   
Sentir-se intimamente ligado a todas as coisas criadas está fora do horizonte de muitas pessoas que habitam essas terras. A alienação e a falta de conhecimento provocam uma apatia, uma desvalorização de si mesmos diante do dragão que os ameaçam cada dia, impedindo-os de despertar a consciência de que estão sendo esmagados pela ganância de uns tantos. E como bem disse o papa Francisco, em sua Carta Encíclica “Laudato Si”: “Muitos esforços na busca de soluções concretas para a crise ambiental acabam com frequência, frustrados não só pela recusa dos poderosos, mas também pelo desinteresse dos outros”[1].
Meu olhar “estrangeiro” vê como é imprescindível desenvolver um caminho educativo que acorde a consciência desses povos, para a urgência de preservar essa terra, que é deles por direito. Que percebam o claro-escuro da história, onde ouve-se o gemido de cada espécie extinta, de cada árvore tombada, de cada rio que seca. O momento é crítico, pois a continuação da vida depende da Mãe-Terra com seus seios fartos, porém tudo que acontece a ela, acontece aos seus filhos. É preciso abrir espaço para a reflexão, para a formação de lideranças que lutem em busca de seus direitos e queiram, de verdade, transformarem essa realidade.
A fé precisa se comprometer com a vida. Ela não pode ser reduzida a uma lista de preceitos, em que basta batizar, crismar, casar, fazer primeira comunhão e tudo está resolvido diante de Deus. O resto é coisa para a política e a Igreja não deve se meter. Infelizmente, ainda existe esse olhar em muitas comunidades por essas terras, resultado de uma evangelização voltada inteiramente para a realização dos sacramentos. Tal postura não colabora com a libertação dos povos na Amazônia. Faz-se muito necessário hoje, que a Igreja encare de frente sua responsabilidade de provocar uma reflexão profunda junto a esses pobres oprimidos, que lhes dê abertura da consciência para enfrentar essa dura realidade como guerreiros que lutam pelo bem mais precioso que existe: a TERRA.
[1] Carta Encíclica do Sumo Pontífice Francisco Laudato Si’ Louvado sejas, sobre o cuidado da casa comum. Documentos do Magistério. Paulus; Loyola, 2015, p.16. X







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